07/06/2008

A pausa de silêncio

É o jardim da cidade onde nasci. Vê-se de lado, a nesga da estação dos caminhos de ferro. Fazia parte do ritual nocturno ir-se esperar a chegada do comboio, vindo de Luanda. Passeava-se por ali, apanhando o fresco, num topo da praça o edifício do Banco de Angola, no outro o do Tribunal, a meio o Palácio do Governo, e entre as árvores e os buxos, num volteio citadino, naquela pequena aldeia, os senhores e suas senhoras, comerciantes, funcionários, empregados de outros. Quais póneis de cortesias, cumprimentavam-se todos, baixando a cabeça, levando a mão ao chapéu, fazendo o gesto de o tirar, não altura não se beijocavam as senhoras. Poucos estavam de relações cortadas.
Depois, chegada a locomotiva, era ver chegar quem viajara, ratar na casaca, de modo metódico e sistemático sobre cada um dos passageiros.
Tratado o figado, por esta descarga de bílis maledicente, voltava-se ao picadeiro, os mesmos casais, com e sem filhos mais os seres ainda não aparelhados, cumprimentando-se de novo, dois dedos de conversa banal e por vezes enfastiadamente forçada, além o como está e passe bem, e sempre o rodopiar, rodopiar, até que pelas nove tudo confluía para a estação dos correios.
Ficou-me desse tempo no recôndito da memória auditiva, o trautear ritmado do carimbo a martelar envelopes, metidos, um a um, nas filas de caixas postais. A nossa era a 131.
Dentro do carro, num frenesi, eu, de calções, ia e vinha e voltava a ir em busca de cartas, mais uma, chegou outra, vieram mais duas. Depois, era o ritual pesado, o meu pai a lê-las, comentando com a minha mãe, deixando no ar uma pausa de silêncio em algumas delas, eu indiferente ao mistério, ansioso por mais e mais correspondência, sem perceber o que era isso de haver más notícias.
Pelas dez, que me recorde, devíamos estar todos em casa, a dormir. Não mais acordei desse sono profundo, típico de uma infância inocente. Hoje, ao ver esta fotografia, tive a certeza de que estava a sonhar.