06/08/2011

O real sem memória

Lembrei-me da história porque por causa dela apanhei uma pneumonia. Estava no Liceu, em Viseu. Nesse ano fomos passar férias à Costa Nova, talvez por ser mais perto e a minha mãe detestar a Figueira no âmbito daquele sentimento geral de detestar tudo, incluindo a Costa Nova e a ideia se passarem férias.
Arrendámos uma casa ligeiramente longe da praia, nada que o nosso DKW não resolvesse. 
Um fim de tarde alguém fez saber por ali que um cachalote tinha dado à praia, morto.
Claro que aos quinze anos tudo é novidade, sobretudo ali onde nada sucedia e pouco acontecia. Além do mais, eu era um ser errante e sofrido, que nas horas mortas vagueava pelas dunas embrulhado em pensamentos que me amarrotavam os sentimentos. A vida real, sobretudo a inesperada, irrompeu assim, alma adentro como uma vaga turbulenta.
Bom, corrida para cá, corrida para lá, mais a cacimba do entardecer, imagina-se o resultado. Primeiro uma tosse persistente com expectoração. Depois quando veio a febre levaram-me ao médico.
Não cheguei a dar à praia, mas lembro-me do bicho, enorme, estendido no areal, a exalar um cheiro pestilento. O mar não o quis acolher, agora inútil.
A foto que publico não é a de então. O semelhante serve quando o real foi, sem memória